quarta-feira, 23 de março de 2011

Querida vó

Não quero fazer desse um texto mórbido, nem padecido de tristeza, nem frases de efeito, nem minimizar seus problemas diante da minha perda, muito menos lições de vida, não quero o peso aqui. Vou dispensar o peso, ou melhor, vou livrar Antônia dos fardos que sempre carregou em vida e como meu último (talvez único) feito vou dar a ela, leveza!
Quando a notícia chegou não sabia exatamente as emoções que deveriam se apossar de mim, tal fato era inédito até então. É como se fosse um fim de um espetáculo realmente. A narrativa pode ser cômica ou trágica, mas o desfecho é o mesmo, a sentença é decretada, desligam-se os aparelhos, um último suspiro acontece, fecham-se as cortinas, é o ultimo ato. Dali pra frente, o que vem depois que as cortinas se fecham é só para quem acredita.
Para mim é tudo que permanece. É o que fica em mim, no entanto está indo embora. Vai-se embora tudo que me lembro e que era bom. O gosto da tangerina geladinha coberta por açúcar cristal, abacate congelado, maçã raspadinha na colher, rapadura que não é mole, mas cortadinha e dada na boca fica um doce só! Ainda guardo o cheiro do casaco e camisolas guardadas no armário com sache. Desde que me dou por gente a pele já era enrugada, os cabelos eram brancos, o corpo pequenino e cansado, mas com a força necessária para segurar essa que vos escreve no colo quando era um bebê, fanática pela boneca da Mônica.
É impressionante como a chegada da morte de alguém nos leva como num jato para o passado em comum com ela. Bem, para mim já faz parte do meu passado, para ela já deveria ser o principio do fim de uma longa jornada. O meu passado, que deveria ser o presente para ela, ainda tem cheiro de batata frita! Sim! Batata frita!
E não era batata frita comum, essas eram cortadas em quadradinhos não em tiras e dentro de toda a minha visão leiga gastronômica o fato delas serem cortadas de outra forma fazia toda diferença do mundo no sabor. As outras crianças sempre diziam que a melhor batata frita que comiam era do Mac Donald, e lá vinha eu toda metida e com uma autoridade única para afirmar que a melhor batata frita feita no mundo era a da minha avó!
Depois de comê-las num pratinho colorido de plástico, no lanche da tarde eu podia abusar do pão com mortadela ou da combinação perfeita de pão com manteiga e açúcar. Sério, eu não sei como não fui uma criança obesa.
Dentre as lembranças maravilhosas que temos da infância que inclui pique – esconde, pique-pega, aprender a andar de bicicleta, queimado, recreio, biscoito mirabel, dar comidinha para boneca, ralar o joelho ao cair na brincadeira, na base dessa pirâmide está uma AVÓ. Tem coisa que lembra mais infância do que a avó?
A minha avó tinha ainda na memória todas as gracinhas que eu fazia quando pequena, as primeiras palavras, coisas que nem minha mãe lembra mais. Tudo que eu via nela era uma pureza única, um olhar que apesar de todos os anos que carregava só guardava inocência, como uma criança que não teve tempo de brincar tudo o que devia.
No meu ultimo aniversário ela mandou me entregar um presente, uma gatinha de pelúcia rosa que mia quando leva palmadinhas. É ou não é inocência pura? A partida dela, no entanto é a minha primeira perda, é a ficha caindo (ou não ainda) que crescendo a gente acaba perdendo também. Porém uma calma incrível se instala em mim porque não sinto mais tanto medo, pois dessas perdas nascem os anjos que nos protegem. 

sábado, 12 de março de 2011

Cinzas de carnaval

Lá se foi o carnaval e assim como lhe dei eufóricas boas vindas me despeço dele e de suas plumas, paetês e cinzas.
Você se permitiu como sugeri no ultimo post? Permitiu se fantasiar, inovar, provocar, “se jogar” como dizem os populares? Se sua resposta foi sim, feliz ano novo para você que lavou a alma e sujou os pés, chinelos e tênis nas poças deixadas pelas chuvas, que foi persona non grata nesse carnaval.
O clima fantasiou-se com um céu parcialmente nublado, cinza sem brilhos ou paetês e com a danada de uma chuvinha. Mas quer saber? Ela nem abalou os foliões, ê povo que gosta de pular!
No centro da cidade a indústria das escolas de samba do carnaval deu seu show tão esperado.  Ao fim de todo o espetáculo com direito a homens que perdiam suas cabeças, fantasias e alegorias que brotaram das cinzas, King Kong comendo Valeska, mesmo com todas as atrações a indústria só é incapaz de inovar e nos surpreender com os resultados finais.
Qual é a linha de produção que conduz e controla essa indústria? Fordismo? Taylorismo? Picaretismo? Corrupcionismo?? 
 
Saúdo a massa de manobra responsável por colocar um carnaval bonito para turista ver, essa talentosíssima mão de obra que viaja de trem, ônibus e metro para fazer os dois dias desse espetáculo.
Aplaudo os grandes artistas, artesãos, os que arquitetam o carnaval com suas mentes fantásticas e sem limites.
Acho o fim da picada os donos das fábricas e os investidores. Os senhores investidores dessa indústria transformaram beleza, arte e tradição em máquina de lucro, em galinha dos ovos de ouro.
Na contra mão das escolas de samba desponta de toda região da cidade uma nova linha de produção, surgem os blocos de rua. Eles podem não fazer concorrência com a indústria carnavalesca, mas aparecem no cenário cultural-economico como alternativa para os que fogem ou não tem como financiar uma participação no carnaval de elite.  
 
Os blocos de rua carregam por trás de sua euforia uma bela historia das ruas, seus antepassados eram os cordões de carnaval embalados pelas marchinhas de Chiquinha Gonzaga, e tempos depois Braguinha também embalou os pulos dos foliões.
Os blocos antes tinham a participação especial de colombinas, pierrôs, arlequins, mascarados, reis, rainhas, hoje recebem fantasias das mais criativas, tem lugar para as clássicas bruxinhas, palhaços, piratas, baianas, às inovadoras como cisne negro, surfista prateado, ambulante, Bope! Abusar da criatividade é a ordem!
Que essa nova fábrica de proporcionar alegria não se renda ao sistema e coloque um cordão de isolamento que separe os foliões que usam abadas e os que não o compram..Não vamos uniformizar as pessoas! Que os abadas não tomem conta do nosso carnaval como aconteceu na Bahia.!Que possamos sempre nos fantasiar, customizar e criar personagens com os retalhos e cetins que temos a mão!
Que nossa liberdade de expressão e criação não seja oprimida pela padronização como aconteceu com os carnavais das escolas de samba. Em 2012 quero ver um carnaval cada vez mais livre e uma cidade bem organizada por aqueles que vivem a fazer propaganda e exigir de nós nossa atitude de cidadão, porque o resto é a alegria de cada um.

TROVADORES URBANOS - CARNAVAL