sábado, 15 de janeiro de 2011

Adeus, Rio.

Rio, 15 de janeiro de 2011.
Da janela da onde escrevo a vista que tenho mais parece uma pintura impecável de algum artista que só vai ser revelado ao morrer. O que eu vejo é tão lindo que nem sei dar nome. É um fim de tarde (em tempos de horário de verão isso quer dizer que são 7 da noite), um sol que dá adeus sem vontade de ir embora, deixado pra trás, misturado com as nuvens, um tom rosa amora. A chuva que cai aqui é aquela choradinha que o céu deu depois de um dia inteiro do sol ardendo, como só ele sabe fazer. E para completar existe o mar, os mares! De uma única janela se observa várias praias, todas caminhando juntas para o fim da tarde, numa dança de ondas que mais parece ensaiada.
Se não fosse por outra tela quadrada não tão grande como a janela e nem tão admirável, jamais seria possível suspeitar que o Estado em que me encontro estava para se acabar.
De tantas outras janelas na subida da Serra a vista é outra. Ao invés de mar, existe lama No lugar das ondas em sincronia, enxurrada de tromba d’ água dos rios, ao invés do sol, chuvas torrenciais. Em oposição das nuvens rosa, olhando para o céu de lá, nuvens negras não param de se aproximar. No lugar da pintura que vejo, há um cenário de tragédia e destruição (sei que são palavras recorrentes dos telejornais, mas não consegui encontrar outras que se encaixassem tão bem). A paisagem é de mortes e mais mortes, mortes que não param de se multiplicar e tudo isso bem do lado da nossa casa.
Rios de lama, corpos nas lamas, ruas que viraram lama. Pontes partidas, estradas bloqueadas, morros que foram de encontro ao asfalto. Gente sem casa, sem eira nem beira, gente pendurada em corda, boiando em colchões, sem lenço, sem documento, sem os que dormiam ao seu lado noite da chuva, sorte daqueles que lhe sobraram um resto de vida. E tudo isso muito perto de casa.
Será esse mais um anúncio do fim dos tempos? Alguém uma vez me disse que o tal do apocalipse que tanto falam na verdade acontecerá aos poucos. Uma hora no Haiti, outra na Ilha de Sumatra, outra Nova Orleans, de pouquinho em pouquinho no Rio. Não existe um dia especifico para a catástrofe final, as destruições acontecem a cada dia, com vulcões revoltados, mares em revolução, rios tempestivos, chuvas alucinadas, temperaturas que ultrapassam todos os Celsius e Fahrenheits imagináveis.
O fim dos tempos está sendo todos os nossos dias, aos poucos nos elimina, nos manda embora desse planeta, a natureza mostra quem é a dona dessa casa e aponta com um dedo indicador os culpados de tanta revolta. O culpado se chama “nós”, em quem votamos, as ideologias que colocamos em liderança, a evolução na frente da preservação. O poder que nos rege acaba por se esquecer QUEM ou O QUE rege a todos nós.

Um comentário:

  1. Pois é, nós mesmos somos "o fim dos tempos". Nós mesmos o causamos. Nós, que achamos que tudo no mundo tem a obrigação de se ajoelhar diante da nossa razão. Mas nossa razão é que deveria ser inteligente o bastante pra ver que o irracional simplesmente é. Simplesmente acontece. Simplesmente chove. Simplesmente transborda. Simplesmente desmorona.

    O ser humano, com toda a razão que tem, ainda sim consegue ser demasiadamente burro.

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