sexta-feira, 12 de agosto de 2011

O índio caído

Era a minha parte favorita da viagem a Campos. Eu viajo para Campos dos Goytacazes desde que me entendo por gente, freqüento tanto e faço tão pouca coisa por lá que nem posso mais considerar uma viagem de verdade. Mas após as quatro longas horas de viagem, pela BR-101, recheadas de sanduíches e biscoitos para distrair a barriga havia algo no fim da viagem que quando criança era, para mim, praticamente o pote de ouro no fim do arco-íris.
A cidade de Campos era terra dos índios Goitacás e como referência ao seu passado histórico fora erguida a estátua de um índio fazendo alusão aos verdadeiros representantes daquela terra. Como todo índio que se preze, o índio Campista vestia uma saia e era munido de um belo e poderoso arco e flecha. Eu não sei dizer, mas aquele indígena exercia um grande fascínio sobre mim, e lá na minha casa quando se anunciava a ida para Campos eu logo pensava “Eba! Vai ser dia de índio!”.
Mais importante que ver tia, avó, primos ou festa de São Salvador (a quem interessar possa este é o padroeiro da cidade do norte fluminense), o índio era o grande carro chefe da cidade na minha humilde opinião infantil. Ser recebida por ele de braços abertos, ou melhor, de arco e flecha na mão, era o máximo. Essa recepção despertava em mim a idéia de que uma aventura estava prestes a começar.
O tempo passou, os governantes mudaram, Garotinhos e Rosinhas se proliferaram, e a modernidade com seu ar de colonizador derrubou a estátua do índio. A cidade passou por um período de turbulência na política, mas sua economia se destacou pela exploração de petróleo na Bacia de Campos.
Mudou-se o contexto, mudou-se o foco. O que era para ser rural virou urbano. O que era para contar história contou futuro. O que era para ser valorizado foi tombado e no pior sentido da palavra.
Derrubou-se a estátua do índio e em seu lugar reina uma horripilante estrutura representando as máquinas que extraem petróleo na plataforma. É como se a revolução industrial estivesse devastado os nativos de Campos. Aí, você em diz “Mas é bem mais moderno”, “É sinal de novos tempos”, “Mostra o desenvolvimento da cidade”. E eu te digo ”É assim que se aniquila o passado”, como se faz o presente e se programa o futuro, sem olhar para o passado? Eu vejo um atropelamento da praticidade sobre tudo o que contou a história.
Ao observar as cidades notamos aqueles prédios velhos do início do século passado tentando sobreviver, quase que se afogando no meio de tanta obra, prédios de concreto e arranhas céus, que surgem no lugar do que é antigo. Toda história é varrida de nossas memórias e substituída por um belo prédio de concreto. As cidades contam sua história, a cada velha casa, e cada fachada moribunda é uma página do seu passado.
No nosso mundo hoje sei que não há tempo para ontem. Mas ontem nem faz tanto tempo assim, o ontem acabou a vinte e quatro horas atrás. A modernidade ou os chamados “novos tempos” já atropelaram tanto os resquícios de uma história que hoje a modernidade, com suas novidades e atualizações a cada segundo, também já é passado. Somos todos sucumbidos pelo tempo que corre demais.
O índio do Trevo em Campos não conseguiu se manter como dono da terra. Araribóia em Niterói que se cuide, e os indígenas da Praça Tiradentes podem estar com os dias contados. E a qualquer momento, quando estivermos muito absortos com nossos smart phone ou Iphones, sem atenção ao que ocorre no nosso redor, neste momento exato, seremos também sucumbidos pela velocidade e pelo fato de sermos tão descartáveis quanto qualquer estátua em uma cidade.

                 

                                    Aqui jaz um Goitacás

4 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. Seu melhor texto, sem dúvidas! Parabéns! Cada vez mais desperta o meu interesse! Nasce aqui uma jornalista! Os jornais estão perdendo essa joia!

    Beijos!

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  3. Ah também tive essa frustração ao ver aquilo que colocaram no lugar. Maravilhosa crônica. Digna de uma antologia.

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  4. Ah também tive essa frustração ao ver aquilo que colocaram no lugar. Maravilhosa crônica. Digna de uma antologia.

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