terça-feira, 2 de agosto de 2011

Olha aí, é o meu guri

“Bola de meia, bola de gude, o solidário não quer solidão
Toda vez que a tristeza me alcança o menino me dá a mão”
 (Milton Nascimento- bola de meia, bola de gude)

É mais ou menos como na canção acima que eu vejo a história deste garoto pelos corredores da Universidade. A Universidade de Filosofia, História e Ciências Sociais foi o berço do menino, depois seu chiqueirinho, e depois, foi lá que ensaiou os primeiros passos e hoje corre feito um desvairado com energia e entusiasmo invejados pelas múmias que lá habitam.
Os pais do menino trabalham na cantina da Universidade desde antes do seu nascimento, dentro da barriga da mãe ouvia falar das provas finais, da esticadinha depois da aula, da discussão sobre as eleições para o Centro Acadêmico.
 Para dar uma incrementada no ambiente no qual fora imposto, ele lança mão da bola de gude, do peão, da bola, não o vejo com os Nintendos da vida, e outras parafernálias do mundo contemporâneo infantil.
Eu vejo o menino crescer entre as paredes da mais alta intelectualidade da cidade, entre Nietzsche e Foucault, tocando a bola para Walter Benjamim e fazendo um drible em cima de Kant. O menino, em seu uniforme surrado e que não teve o prazer de conhecer um amaciante, brinca de deslizar pelos corredores. É uma de suas brincadeiras favoritas, ainda mais depois que o chão é lavado e banhado com o extra-brilho, pela Dona Ana, uma das faxineiras da faculdade.
Enquanto ele desliza naquele vale de intelectualidade, onde mestres e doutores discutem fervorosamente a metafísica e problematizam o pensamento, o garoto luta contra dragões, cai em um ninho de serpentes, combate piratas e derrota um exército de mortos-vivos.
Nesses 8 anos de experiência universitária, ele já viu um pouco de tudo. E transita por todos os grupos, não tem preconceito de tribo. Vai no andar em que a fumaça de cheiro diferente incorpora as conversas dos estudantes, porém a fumaça não o incomoda. Como o menino não tem convencionalismos ele ouve com atenção ao violão do rapaz, um barbudo e com roupas mais sujas que a sua, que está na roda com outros rapazes e moças que passam o cigarro um para o outro, em uma pequena roda, como se brincassem de ciranda na imaginação do menino.
No outro andar ele entra no Centro Acadêmico, a discussão de hoje é o direito por mais poder de opinião nas decisões da reitoria. Um estudante fala para os outros colegas em cima de uma mesa velha. Ele esbraveja sua causa e os diretos dos estudantes, e que eles deveriam se unir e reivindicar, mas na imaginação do menino o estudante se transforma em um Rei poderosíssimo e que convoca seu exército para o combate das tropas inimigas.
Ele gosta muito de entrar sorrateiramente na biblioteca ou nas salas de aula (na sala de aula da sua escola ele não é muito freqüentador), onde os alunos estudam e discutem a Civilização helenística, os Impérios Romano e Bizantino, e também as Revoluções Sociais e as Ditaduras na América Latina. O menino ficava num cantinho, calado sempre com um livro a folhear as páginas e pousar os olhos em nomes bizaríssimos como Xenofonte, Tucídides, Heródoto, Teodorico, e povos como os turcos otomanos, visigodos, ostrogodos! Entre uma aula e outra, entre uma discussão no café da universidade, e um grupo de estudantes concluindo o trabalho do semestre, o menino viajava no tempo e abusava do anacronismo, Carlos Magno e Napoleão duelavam, Romanos derrubavam a Bastilha, o Cavalo de Tróia invadia a Rússia e derrubava o Czar. Para ele não tinha tempo de ninguém. O tempo e as histórias estavam na sua cabeça e era a imaginação que determinava temporalidade, século e batalhas. E Príncipes e princesas trocavam de par sem a menor cerimônia, Maria Antonieta se arranja com D. Pedro I, Ana Bolena largou Henrique VIII e foi ciscar no quintal do Simon Bolívar, Lutero largou a religião e foi viver feliz ao lado da Princesa Isabel!
E dessa maneira o menino foi fazendo história na Universidade, todo mundo sabia seu nome, os meninos brincavam com ele de bola de gude e os ensinaram a jogar buraco. As meninas o achavam uma graça, mesmo que toda vez ele fosse se esconder da chinelada da mãe no banheiro feminino!
Para ele nada daquilo parecia chato. Chato era ir pra escola, ter que estudar matemática e aturar os moleques mais velhos pegando no pé dele. A vida nos corredores em cada andar até podia ser sozinha, mas lhe rendia muita coisa para contar aos colegas. Mas mesmo com tanta informação, tanto nome estranho que foi conhecendo, tanta coisa que ele foi descobrindo, mesmo com essa bisbilhotice toda, nada das notas do boletim da escola melhorar!




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